Assistindo a uma aula de Constitucional, foi-me sugerido a leitura de um artigo do jurista Honnad Hesse, traduzido ao português pelo Ministro do STF Gilmar Mendes.
Nesse belo texto, o seu autor se contrapõe claramente a afirmação de Ferdnand Lasalle de que existiria uma dicotomia entre Constituição Real (aquela onde atua as forças dominantes do país - mais ligada à realidade) e a Constituição Jurídica (A norma propriamente dita). Honnand Hesse diz que as duas existem si, mas não há vínculo de subordinação e sim, são coordenadas. Bem, abaixo fiz uma espécie de fichamento do que li, com as partes mais importantes. Tiago
“Em 16 de abril de 1862, Ferdinand Lassalle proferiu, numa
associação
liberal-progressista de Berlim, sua conferência sobre a
essência da
Constituição (Uber das Verfassungswesen).
Segundo sua tese fundamental,
questões constitucionais não são questões jurídicas,
mas sim questões políticas. É que a Constituição de um país
expressa
as relações de poder nele dominantes: o poder militar,
representado
pelas Forças Armadas, o poder social, representado pelos
latifundiários, o poder econômico, representado pela grande
indústria
e pelo grande capital, e, finalmente, ainda que não se
equipare ao
significado dos demais, o poder intelectual, representado
pela
consciência e pela cultura gerais”
“Considerada em suas conseqüências, a concepção da força
determinante das relações fáticas significa o seguinte: a
condição de
eficácia da Constituição jurídica, isto é, a coincidência de
realidade e
norma, constitui apenas um limite hipotético extremo. E que,
entre a
norma fundamentalmente estática e racional e a realidade
fluida e
irracional, existe uma tensão necessária e imanente que não
se deixa
eliminar”
“Questões constitucionais não são, originariamente, questões
jurídicas,
mas sim questões políticas. Assim, ensinam-nos não apenas os
políticos, mas também os juristas. “Tal como ressaltado pela
grande
doutrina, ainda não apreciada devidamente em todos os seus
aspectos — afirma Georg Jellinek quarenta anos mais tarde —,
o
desenvolvimento das Constituições demonstra que regras
jurídicas
não se mostram aptas a controlar, efetivamente, a divisão de
poderes
políticos. As forças políticas movem-se consoante suas
próprias leis,
que atuam independentemente das formas jurídicas2
Evidentemente,
esse pensamento não pertence ao passado. Ele se manifesta,
de
forma expressa ou implícita, também no presente”
“E que, entre a
norma fundamentalmente estática e racional e a realidade
fluida e
irracional, existe uma tensão necessária e imanente que não
se deixa
eliminar. Para essa concepção do Direito Constitucional,
está
configurada permanentemente uma situação de conflito: a
Constituição jurídica, no que tem de fundamental, isto é,
nas
disposições não propriamentte de índole técnica, sucumbe
cotidianamente em face da Constituição real.”
“Poder-se-ia dizer,
parafraseando as conhecidas palavras de Rudolf Sohm, que o
Direito
Constitucional está em contradição com a própria essência da
Constituição.”
“Assim, o Direito Constitucional não
estaria a serviço de uma ordem estatal justa, cumprindo-lhe
tãosomente a miserável função — indigna de qualquer ciência — de
justificar as relações de poder dominantes. Se a Ciência da
Constituição adota essa tese e passa a admitir a
Constituição real
como decisiva, tem-se a sua descaracterização como ciência
normativa, operando-se a sua conversão numa simples ciência
do ser.”
MUDANÇA DE RACIOCÍNIO DO
AUTOR (DESCORDANDO DE FERDINAD LASSALLE)
“Ao
contrário, essa doutrina
afigura-se
desprovida de fundamento se se puder admitir que a
Constituição
contém, ainda que de forma limitada, uma força própria,
motivadora e
ordenadora da vida do Estado. A questão que se
apresenta
diz respeito à força normativa da Constituição. Existiria, ao
lado do
poder determinante das relações fáticas, expressas pelas
forças
políticas e sociais, também uma força determinante do Direito
Constitucional?
Qual o fundamento e o alcance dessa força do Direito
Constitucional?
Não seria essa força uma ficção necessária para o
constitucionalista,
que tenta criar a suposição de que o direito domina
a vida do
Estado, quando, na realidade, outras forças mostram-se
determinantes?”
“A radical
separação, no plano constitucional, entre
realidade e
norma, entre ser (Sein) e dever ser (Sollen) não leva a
qualquer
avanço na nossa indagação. Como anteriormente
observado5
, essa
separação pode levar a uma confirmação, confessa
ou não, da
tese que atribui exclusiva força determinante às relações
fáticas”
“ A norma
constitucional não tem existência autônoma em face da
realidade. A
sua essência reside na sua vigência, ou seja, a situação
por ela
regulada pretende ser concretizada na realidade. Essa
pretensão de
eficácia (Geltungsanspruch) não pode ser separada das
condições
históricas de sua realização, que estão, de diferentes
formas, numa
relação de interdependência, criando regras próprias
que não
podem ser desconsideradas. Devem ser contempladas aqui
as condições
naturais, técnicas, econômicas, e sociais. A pretensão
de eficácia
da norma jurídica somente será realizada se levar em
conta essas
condições.”
“A Constituição não
configura, portanto,
apenas expressão de
um ser, mas também de um dever ser; ela
significa mais do
que o simples reflexo das condições fáticas de sua
vigênçia,
particularmente as forças sociais e políticas. Graças à
pretensão de
eficácia, a Constituição procura imprimir ordem e
conformação à
realidade política e social.”
“Para usar a
terminologia acima referida, “Constituição real” e
“Constituição
jurídica” estão em uma relação de coordenação.
Elas condicionam-se
mutuamente, mas não depen dem, pura e
simplesmente, uma da
outra”